Como funciona a ordem judicial para entrega de prontuário?

Desde o momento em que cirurgiões-dentistas passaram a ser demandados em processos judiciais, especialmente em ações reparatórias, a realização de perícias nos documentos odontológicos produzidos durante o tratamento, tornou uma prova necessária à averiguação e comprovação de eventuais danos, oportunidade em que a titularidade do prontuário odontológico passou a ser discutida.

Mas o que seria um prontuário? 

Prontuário é um documento único constituído de um conjunto de informações registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e assistência prestada a ele, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao paciente.

Quais informações um prontuário  deve trazer?

Ele é composto minimamente de: plano de tratamento, registro de anamnese, ficha clínica, receitas, atestados, modelos de gesso, radiografias, orientações sobre higienização, orientações pós-operatórios e dados sobre conclusão e abandono de tratamento.

Assim, o prontuário é, na verdade, um arquivo complexo que relata de forma sistemática todos os detalhes da patologia e do tratamento indicado.

O paciente deve ser informado de todo o material e riscos previsíveis a fim de que possa tomar a sua decisão de maneira informada, razão pela qual o termo de consentimento inserido na rotina clínica beneficia o cirurgião-dentista no seu exercício profissional.

Existe ainda o fato de que o prontuário tem natureza jurídica contratual reconhecida, servindo para provar a ocorrência da relação jurídica entre o profissional e o paciente.

Diante disto, os cirurgiões-dentistas encontram-se num dilema, se a conduta for entregar o prontuário ao paciente, corre-se o risco imensurável de não possuir qualquer prova de que realizaram o tratamento ou de que houve relação jurídica de prestação e consumo de serviços odontológicos. Se não entregar o prontuário, dar-se-á ensejo a uma quebra no bom relacionamento com o paciente.

Salienta-se que se o cirurgião-dentista não tiver a conduta de arquivar sua documentação, ficará à disposição da análise judicial e também vulnerável às declarações do paciente. Fato este que também irá ocorrer se a documentação for entregue de bom grado pelo profissional ao seu paciente.

Ressalte-se que muito do contido no prontuário é resultado de estudo, conclusões, raciocínio, enfim trabalho intelectual do cirurgião-dentista, de modo que não se pode deixar de considerar o direito que este profissional tem sobre sua obra.

Se o prontuário odontológico é fruto de informações colhidas pelo cirurgião-dentista aliadas aos seus conhecimentos e experiência, retratando fielmente suas conclusões sobre determinado caso, bem como radiografias e exames complementares que complementam referido raciocínio científico, resultando em um diagnóstico e um prognóstico, é bastante plausível que o consideremos, ainda que em parte, obra intelectual científica cujo titular dos direitos é o cirurgião-dentista.

No Código de Ética Odontológica, poucas passagens destinam-se a refletir sobre a documentação odontológica, deixando a informação extremamente vaga e o cirurgião-dentista com dificuldades de interpretação, como em seu Capítulo III (Deveres Fundamentais): “Art. 5. Constituem deveres fundamentais dos profissionais e entidades de Odontologia (…) VII) elaborar e manter atualizados os prontuários de pacientes, conservando-os em arquivo próprio”.

Ainda no Capítulo III, no mesmo artigo supracitado: “XVI garantir ao paciente ou seu responsável legal, acesso a seu prontuário, sempre que for expressamente solicitado, podendo conceder cópia do documento, mediante recibo de entrega”.

Quando comparado com o Código de Ética Médica, observamos um posicionamento completamente diverso do Odontológico, conforme segue a transcrição de seu artigo 70: “é vedado ao médico negar ao paciente acesso ao seu prontuário médico, ficha clínica ou similar, bem como deixar de dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionar risco para o paciente ou para terceiros”.

Desta forma, a classe médica não está obrigada à entrega de qualquer documentação constante do prontuário, mas apenas, obriga-se a fornecer informações e esclarecimentos ao paciente, medida esta que poderia ser adotada para a classe odontológica.

Superada a titularidade do prontuário odontológico, na hipótese de não entrega ao paciente solicitante, pode o cirurgião-dentista ser compelido a entregá-lo mediante ordem judicial, sob pena de responder por crime de desobediência.

Mas como isso funciona?

A intimação judicial que tem por objetivo a busca e apreensão do prontuário do paciente é a forma mais contundente de pressionar o responsável pela guarda do documento, no caso o cirurgião-dentista, para que o apresente em juízo, após omissão ou negativa voluntária anterior de entrega ao paciente.

Porém o questionamento é polêmico, uma vez que os Conselhos de Classe, amparados pelos respectivos Códigos de Ética e Resoluções vigentes, entendem que o prontuário só deve ser entregue ao paciente ou a quem ele indicar, pois caso contrário violaria o sigilo profissional e consequentemente o profissional incorreria em infração ética. 

Todavia, tal regra não se aplica ao Judiciário em que não pode haver entraves ou obstáculos paras sua entrega, seja para apuração de prescrição criminal, ou para produção de prova judicial entre paciente e cirurgião-dentista, incluindo os hospitais e clínicas odontológicas.

Os Conselhos de Classe (CFM e CFO) defendem a não entrega do prontuário, mas o judiciário, por meio de decisões judiciais que podem ser interlocutória, sentenças e/ou acórdãos determinam a sua apresentação em juízo.

Ocorre que na rotina clínica de um cirurgião-dentista essa situação é desesperadora, pois a determinação do juiz tem a força de Lei e ao profissional da saúde ou clínica médica/odontológica só lhes resta cumprir a ordem judicial, sob pena de se ver incurso em crime de desobediência.

No nosso entender, a possibilidade de prisão por desobediência dependeria muito da análise de cada caso, mas em termos gerais poderia acontecer na hipótese de o cirurgião-dentista depois de reiteradas determinações não proceder com a entrega do referido prontuário, contudo há entendimento jurisprudencial de que o profissional não poderia ser preso pelo crime de desobediência, pois não há dolo em sua conduta.

Entretanto, quando o Ministério Público for o interessado que pleiteou pelo prontuário do paciente, de fato estará o médico/cirurgião-dentista ou a empresa de saúde (clínicas e hospitais) desobrigados a entregar o documento do paciente, pois estarão, via de regra, “protegidos” pelas disposições constantes dos Códigos de Ética, que dispõe, principalmente, sobre o sigilo profissional da relação médico-paciente, sob pena de cometerem infração ético-disciplinar.

Nesta linha, a tendência, segundo a jurisprudência majoritária, é no sentido de que não ocorra a prisão, pois o médico ou cirurgião-dentista deve ter expressa autorização do paciente. Se este concordar, poderá apresentar o prontuário, caso contrário, não.

O Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual ajuizaram, em 2013, Ação Civil Pública objetivando que o Conselho Federal de Medicina orientasse os médicos para atenderem às requisições do Ministério Público para, no prazo de dez dias, entregar prontuários médicos e papeletas de atendimento de pacientes, dispensando-se qualquer autorização dos pacientes ou de seus familiares.

Na sentença, o juízo (processo n. 00552452320134013800) julgou improcedente o pedido fazendo referência ao art. 8º da Lei Complementar 73/1995, que o pedido do prontuário médico não exime o Ministério Público de requerer autorização judicial prévia para que haja o acesso a documentos protegidos por sigilo legalmente constituído.

No mesmo sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ, 4 Turma, Resp). De acordo com o eminente Ministro Relator Ruy Rosado Aguiar, em que esclareceu que o segredo profissional não pertence ao médico. Visa muito mais à proteção do paciente e sua revelação constitui crime previsto no artigo 154 do Código Penal. Daí o acerto do juiz singular que assegurou ao médico o direito de recusar a entrega dos documentos requisitados pelo Ministério Público, nestas situações.

Já para os casos em que o paciente pleiteia pela via judicial a apresentação do prontuário, pois não logrou êxito quando solicitado pela via extrajudicial ao profissional que o atendeu, não há mais o amparo que falamos acima, pois considerando que a parte interessada pelo conteúdo do prontuário é o paciente (autor da ação), estará autorizado o médico, cirurgião-dentista ou clínica a entregar o prontuário, pois nesta hipótese não haverá violação do sigilo profissional previsto nos Códigos de Ética.

Além disso, recomendamos que o cirurgião-dentista demandado ou questionado leve o prontuário do paciente aos autos desde a primeira determinação judicial, pois se anotados todos os procedimentos de forma organizada e concisa, como bem esclarecido supra, ele servirá como o maior conjunto probatório a ser utilizado na defesa do próprio profissional.

Se está passando por situação semelhante e está na dúvida de como proceder procure orientação imediata de um advogado especialista em Direito Odontológico. O time da Calvielli, Monteiro e Nogueira Advogados está preparado para te atender.

2 thoughts on “Como funciona a ordem judicial para entrega de prontuário?”

  1. Nelson da Silva Ramos disse:

    No meu singelo entender é necessário verificar caso concreto, pois haverá situações em que um dentista realize o serviço nas dependências da clinica , mas mediante um acordo de locação tanto do consultório, ou centro cirúrgico, quanto a dos instrumentos, não sendo portanto, assim como na medicina, o facultativo integrante do corpo clinico. Neste caso é preferível acionar o profissional, ao contrario sendo ele parte do corpo clinico odontológico, é preferível acionar a clinica, dado a eficácia na execução, pois haverá melhor comprovação da renda auferida pela pessoa jurídica.

  2. Nelson da Silva Ramos disse:

    Comentei sob responsabilidade civil.

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